segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010



Foram-se os amores que tive ou me tiveram
partiram num cortejo silencioso e iluminado
A solidão me ensina a não acreditar na morte
nem demais na vida:
Cultivo segredos num jardim
onde estamos eu, os sonhos idos, os velhos amores
e os seus recados e os olhos deles que ainda brilham
como pedras de cor entre as raízes.
Lya Luft

sábado, 30 de janeiro de 2010

Pois é, Caio...

"Esse espaço branco entre dois encontros pode esmagar completamente uma pessoa. Por isso eu acho que a gente se engana, às vezes. Aparece uma pessoa qualquer e então tu vai e inventa uma coisa que na realidade não é. E tu vai vivendo aquilo, porque não agüenta o fato de estar sozinho."
“A primavera nascerá um pouco mais tarde esse ano, um pouco mais tarde sobre minhas vãs ilusões, sobre minhas solitárias lembranças de você. Porquê você me deixou e levou todos os setembros”

Claudio Rabello

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Não voltará - o que dele me ficou
é como no inverno entre cortinas
de chuva um tímido fio de sol:
ilumina mas não aquece as mãos.


Eugénio de Andrade
Pelas verdades banais
Pelas mentiras brilhantes
Já esqueci esse rosto antes
Mas agora ao relembrar
Quero te encontrar
Com as mesmas primeiras palavras
Dos novos amantes

Zeca Baleiro

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Lamento de coração que a virtude não possa viver
Longe dos dentes da inveja.

William Shakespeare, Júlio César
[com que frequência tem bancado o "patinho feio bipolar em dia de deprê"?]

sábado, 16 de janeiro de 2010


Por que não cai a noite, de uma vez?
- irrita-me estas horas penduradas
como frutas maduras que não
tombam.
(E dentro de mim, ninguém vem
desfazer o novelo das tardes enroladas).


(Maria Alberta Menéres)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Haverá garganta
para gritar mais tarde
o que agora calamos?


Engole a tua língua!
Com ela podes saciar-te:
mas somente uma vez.



Cuidado com o passado!
Ele pode embebedar-te, nunca te saciará.

SÁNDOR KÁNYÁDI
O tempo piorou. Talvez eu pensasse isso porque estava escurecendo e o sol já não trazia sequer o pouco calor ao campo. Examinei o quanto aquela situação era desesperadora, percebi até onde minha leitura havia me levado. Talvez caia a noite e sejamos esquecidos. Não é isso que significa estar vivo? Surge a luz, cai a escuridão, e você é esquecido. Substituído. Seus amigos encontram outros amigos. Afinal, eles também tem de viver. A natureza da amizade: a substância mais forte e brilhante do mundo.

É preciso observar os fatos e planejar a sobrevivência, porque ninguém mais o fará, isto é certo. Levante todas as bandeiras que puder, esconda-se sob elas e não mostre a cara ao mundo. Concorde com todos. Fale todas as línguas e, ao mesmo tempo, nenhuma. Aprenda a ser invisível. Não defenda nenhuma causa. Viva sob pedaços de papelão dentro dos túneis e respire um ar secreto, que se ferre o doce mundo do romantismo. Ferrem-se todos, eles podem ir para o inferno. Meus amigos me deixaram totalmente sozinho e não se importaram. Sobrevivi, contudo. Não preciso desse tipo de apoio agora. Minha força é minha indiferença. Sobrevivi às suas crueldades.

Gerard Donovan. O telescópio de Schopenhauer (Novo Século, pg. 141).

SIM, POR FAVOR



Uma mão quente.
Uma casa quente.
Um pullover quente
para cobrir meus pensamentos gelados.
Um corpo quente
para cobrir o meu corpo.
Uma alma quente
para cobrir a minha alma.
Uma vida quente
para cobrir a minha vida gelada.

SONIA ÅKESSON

Sem Você

(Chico Buarque)

Sem você
Sem amor
É tudo sofrimento
Pois você
É o amor
Que eu sempre procurei em vão
Você é o que resiste
Ao desespero
E à solidão
Nada existe
E o tempo é triste
Sem você
Meu amor
Meu amor
Nunca te ausentes de mim
Para que eu viva em paz
Para que eu não sofra mais
Tanta mágoa assim
No mundo sem você



Bêbados solitários, cães vadios, inquietos
delimitam seus espaços, seus escuros.
Senhores da noite que são
constróem seus miseráveis impérios
nos escombros que sobraram do dia, que sobraram da vida.

Quanto aos demais, impermeáveis em seus silêncios e mistérios,
uns dormem seus merecidos medos, outros sonham seus sonhos acovardados.

Enfim, se infartam de segredos e pecados, os normais.


Darci Borges
Ficaram as canções ...


...e você não ficou

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

- Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
- Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
- Vou te escrever carta e não mandar. (...)
- E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(...)

- Mas não seria natural.
- Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
- Natural é encontrar. Natural é perder. (...)

Caio Fernando Abreu
”E, de qualquer forma,
às cegas,
às tontas,
tenho feito o que acredito,
do jeito talvez torto que sei fazer”


C. F. A.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010




Parece muito doce aquela cana.
Descasco-a, provo-a, chupo-a... ilusão treda!
O amor, poeta, é como a cana azeda,
A toda a boca que o não prova engana.

Quis saber que era o amor, por experiência,
E hoje que, enfim, conheço o seu conteúdo,
Pudera eu ter, eu que idolatro o estudo,
Todas as ciências menos esta ciência!

Certo, este o amor não é que, em ânsias, amo
Mas certo, o egoísta amor este é que acinte
Amas, oposto a mim. Por conseguinte
Chamas amor aquilo que eu não chamo.

Oposto ideal ao meu ideal conservas.
Diverso é, pois, o ponto outro de vista
Consoante o qual, observo o amor, do egoísta
Modo de ver, consoante o qual, o observas.

Porque o amor, tal como eu o estou amando,
É Espírito, é éter, é substância fluida,
É assim como o ar que a gente pega e cuida,
Cuida, entretanto, não o estar pegando!

É a transubstanciação de instintos rudes,
Imponderabilíssima e impalpável,
Que anda acima da carne miserável
Como anda a garça acima dos açudes!

Para reproduzir tal sentimento
Daqui por diante, atenta a orelha cauta,
Como Mársias -- o inventor da flauta --
Vou inventar também outro instrumento!

Mas de tal arte e espécie tal fazê-lo
Ambiciono, que o idioma em que te eu falo
Possam todas as línguas decliná-lo
Possam todos os homens compreendê-lo.

Para que, enfim, chegando à última calma
Meu podre coração roto não role,
Integralmente desfibrado e mole,
Como um saco vazio dentro d’alma!

[Augusto dos Anjos]


(...) Andei amando loucamente, como há muito tempo não acontecia. De repente a coisa começou a desacontecer. Bebi, chorei, ouvi Maria Bethânia, fumei demais, tive insônia e excesso de sono, falta de apetite e apetite em excesso, vaguei pelas madrugadas, escrevi poemas (juro). Agora está passando: um band-aid no coração, um sorriso nos lábios – e tudo bem. Ou: que se há de fazer.



[Caio Fernado de Abreu]

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Qual é a desses macacos?
Então, além de piolhos, vocês possuem consciência?
E, além de possuí-la, vez ou outra ela pesa?

Ora! Macacos! Ao menos eu, do alto do meu ceticismo, poderia ser poupada!

Afinal, por que, diabos, suas c0nsciências só pesam quando os equivocos, vigarices e cambalachos de seus atos se evidenciam?

Por que não pesam também quando suas cretinices e calhordagens lhes são vantajosas?



"E tem o seguinte, meus senhores: não vamos enlouquecer, nem nos matar, nem desistir. Pelo contrário: vamos ficar ótimos e incomodar bastante ainda."

sábado, 2 de janeiro de 2010

dos meus dias de cão



Passos curtos, leves e vagarosos
Sucumbindo ao peso de me ser

Entre os inúmeros “seres” e “estares”, mútua apatia evidencia-se
Entre a melancolia e o saudosismo nostálgico irremediável,
Apenas gestos sutis e invariavelmente esnobes

Cuida-se para que se mantenha velada a existência dessa tensão emotiva
Incomunicabilidade perturbadora ecoando....






O que hoje é drama, sempre, amanhã estará quieto na memória.

C.F.A
"Durante o dia sou um leão, meu querido, mas quando desaparece o último ponto de luz da tarde eu me transformo num cordeiro, e à meia-noite - mon Dieu - à meia-noite, o mundo inteiro me parece um assassino impiedoso."

Katherine Mansfield
"Náusea. Vontade de nada.
Existir por não morrer.
Como as casas têm fachada,
Tenho este modo de ser."
(Fernando Pessoa)
'Despedir-se de um amor é despedir-se de si mesmo.
É o arremate de uma história que terminou, externamente,
sem nossa concordância,
mas que precisa também sair de dentro da gente.'


(Martha Medeiros)
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?

Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?

Ninguém responde, a vida é pétrea

(Carlos Drummond de Andrade )
'Tudo em ti era uma ausência que se demorava: uma despedida pronta a cumprir-se.'

(Cecilia Meireles)
'E que então pensei numas tardes em que você sempre vinha, e numa tarde em especial, não sei quanto tempo faz, e que depois de pensar nessa tarde e nessa chuva e nessa roda-gigante, uma frase ficou rodando nítida e quase dura no meu pensamento. Qualquer coisa assim: depois daquela nossa conversa - depois daquela nossa conversa na chuva, você nunca mais me procurou.'

(Caio Fernando Abreu)

'Doía.
Continua doendo.
Ainda não acabou.
Passa,
passará.'

Caio F. Abreu


"Tome um café, que o mundo acabou faz tempo"
(Caio Fernando Abreu)
“Voragem,
vórtice,
vertigem:
ego.
Farpas e trapos.
Quero um solo de guitarra rasgando a madrugada.
Te espero aqui onde estou,
abismo,
no centro do furacão.
Em movimento, águas.”
(CFA)


"Penso em você apesar de não sentir sua falta e muito menos sua presença. Penso em você porque sinto um vazio que eu não sei do quê e nem por quê. Revelo, então, mais uma vez, minha estupidez, já que não é você quem vai me salvar e nem muito menos me catapultar pra uma dimensão mais tranquila e menos ansiosa de coisas que não tem nome."

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

não que eu ache que uma simples passagem de ano seja capaz de alterar alguma coisa além do calendário, mas enfim...

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009


Recuso-me a fazer cena!
Privo-lhe das chantagens emocionais banais e despropositais.
Preservo nossas últimas virtudes, já tão pequenas e gasta pela sua insistência na minha transformação em algo tão ridiculamente incomodativo.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Oh! Santa Sensatez!
Incansável na sua missão de tentar nortear tamanho amontoado de incoerências
Continuai abrandando os resultados dessa tragédia nonsense
E poupai-nos dessa dramalheira inspirada pelo patético existir

[Se o mundo girasse mais rápido ao menos pelas imagens da minha janela...]

à uma estranha implicante

Linda Menina, a salvação nunca está exatamente onde imaginamos, muitas vezes estamos caminhando para o abismo sem nem ao menos notarmos, imaginamos uma suposta luz e a seguimos, inconsciente e inconsequentemente afundamos dentro de nós.


Perder-se pode até ser caminho, mas para onde nos leva?


"Conhecer-te a si mesmo", eis o conselho considerado mais sensato, mas a vida, essa incognita possuidora de assustadores requintes de crueldade, essa não se limita a acontecer "dentro", e quando nos voltamos muito para nós mesmos, enlouquecemos, da pior loucura, a irreverssível...


Para mim o "perder" também nunca será fácil, principalmente quando se trata deste...
Tenho o costume, quase suicida, de guardar lembranças das pessoas que passam pela minha vida. Ano passado, exatamente nessa data, recebi um email que acalentou meu coração, lembro exatamente do que senti, o que pensei, lembro do meu sorriso, da mania que eu tinha de apoiar o rosto no braço esquerdo e olhar insistentemente para lugar nenhum, bancando a reflexiva , quando na verdade apenas patinava sobre fatos e elementos triviais, coisas tão pequenas que hoje me doem tanto, não pelo significado, mas pelo tempo que me custou... De tudo isso que se passa sempre costuma restar apenas e uma dor branda, silenciosa e temporária.


Quando não fazer sentido ultrapassa o próprio entendimento de si,
Eis o sinal de alerta final
Tantas efemeridades fadadas ao desmonte
E a dissimulação impera com invejável maestria


"Amanhã tudo volta ao normal
Deixa a festa acabar,
deixa o barco correr,
deixa o dia raiar
Que hoje eu sou da maneira que você me quer"

Chico Buarque

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

não abdico do meu direito de achar uma merda..

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

nada aleatório

Se você não se atrasar demais, posso te esperar por toda a minha vida.

[Oscar Wilde]
Vença-me.
Seduza-me.
Fique comigo.

Ah, faça-me sofrer!

[James Joyce]

domingo, 20 de dezembro de 2009

A decadência me atrai mais.
Oscar Wilde
“O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.”
Charles Bukowski

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Qual o problema das coisas serem efêmeras?
Se a própria existência tem como fundamento tal característica, que desejo insensato é esse das pessoas almejarem o eterno?

domingo, 13 de dezembro de 2009

De fato, eu não poderia deixar de concordar com a atrocidade cogitada por essa Coisa Pensante que há dentro de mim, realmente, é inegável, o convívio social nem chega a ser algo que exige tanto de nós.
Ok! Coisa Rebatedora das Questões Postas Pela Coisa Pensante, não estou entrando em contradição com meus, digamos, princípios anti-sociais, ou até mesmo essência anti-social, ou então cogitando a possibilidade de fazer-me também um néscio, definitivamente, não é disso que se trata!
Creio que o que a Coisa Pensante estava a supor sobre tal convívio refere-se ao grau de exigência dos interlocutores comuns, aqueles que costumam ser inconvenientemente postos por artimanhas malignas das idéias mirabolantes tramadas pelo Senhor Destino, juntamente com os pitacos maquiavélicos do mentecapto infante do Senhor Acaso, trata-se daqueles seres que adentram no convívio social por meios que ultrapassam a possibilidade de filtragem de qualquer seletividade, e que apenas atitudes efetivas e inquestionavelmente psicóticas os afastariam, são aquelas pessoas que costumam compor os “pacotes sociais”, ou seja, normalmente dentre os mesmos sempre há um que você verdadeiramente (e ingenuamente) resolveu conviver, mas que trazem consigo toda uma série de seres não tão agradáveis quanto você supunha. Tais pessoas costumam ser caracterizadas como: “amigos dos amigos”, “família dos amigos”, “família do respectivo cônjuge, ou aspirante ao cargo”, “colegas de trabalho”, “colegas de classe”, e mais uma quantidade incontável deles, são aquelas pessoas de teor utilitário indispensável, mas de atributos qualitativos a beira da inexistência.
Apesar de provocarem invariavelmente certa náusea, ou apenas aquele tédio com capacidade inconfundível de transformar minutos em horas, ou então de causarem com uma constância incomparável a tal a “vergonha alheia”, tais pessoas não são de todo inconvivíveis.
Sim, elas exigem que se use absolutamente toda a carga da bateria concedida pelo aparelho regulador das virtudes não concedidas e moderadas naturalmente, tanto que se faz necessário deixar o modo “paciência” em freqüência mais alta que o modo “tolerância”, “simpatia”, “cordialidade”, é imprescindível que se deixe o aparelho na tomada durante toda a noite para não se correr risco de ficar sem carga.
Contudo, tais seres não costumam ter um grau de exigência de convivência provido de muito requinte, em pouco tempo é possível perceber exatamente aquilo que esperam de nós, afinal, não se pode desprezar o fato de podermos dizer que não são todos iguais, até que são variáveis as categorias, há os que querem ouvir, os que querem ser ouvidos, os que apenas querem que estejamos próximos, os que nos usam de bengala, os que pensam ser a nossa bengala, mas não chega a ser um trabalho árduo detectar com precisão em que categoria se enquadram.
De modo geral, para garantia inquestionável que uma vida social saudável e desprovida de conflitos perturbadores e desnecessários, basta apenas selecionar algumas expressões faciais, preferencialmente algo do tipo “Monalisa” que não demonstre grandes efusividades, ter decorado meia dúzia de comentário, opiniões, conselhos, criticas, e chavões que via de regra não denota nenhum sentido que propulsiona o horror alheio. Comprovadamente, decorar as tais “frases feitas” de Augusto Cury a Pedro Bial, ainda lhe garante o troféu de Bom Moço com Aspirações Intelectuais!
Nada que uma pequena quantidade de experiências práticas testando os métodos que vierem em mente não lhe garanta elogios e bons adjetivos acompanhados de seu nome!

sábado, 12 de dezembro de 2009

E eu que pensava ter me afastado definitivamente desse sujeito impertinente,
já nem buscava imaginar por que campos jazia,
acreditando-o totalmente decomposto,
eis que em uma noite de tédio
ausência absoluta de sono
presença plena dos efeitos massacrantes da monotonia
ressurge o tal!
risinho meia boca
[tentando esconder a gargalhada que causou meu olhar de espanto]


- Saudações, Bom e Velho Pieguismo! Já que insiste em ficar, venha cá, puxa uma cadeira e conte-me os ventos que o trazem!



"E a paixão é loucura que passa,
como um terremoto
com o tempo acalma.
Mas onde você esta?
Onde você esta?"
Barão Vermelho

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Daquilo que me causas...


"Já não sei dizer se ainda sei sentir.
O meu coração já não me pertence.
Já não quer mais me obedecer.
Parece agora estar tão cansado quanto eu.
Até pensei que era mais por não saber,
que ainda sou capaz de acreditar.
Me sinto tão só.
E dizem que a solidão até que me cai bem.

Às vezes faço planos.
Às vezes quero ir.
Para algum país distante e voltar a ser feliz.
Já não sei dizer o que aconteceu.
Se tudo que sonhei foi mesmo um sonho meu.
Se meu desejo então já se realizou.
O que fazer depois, pra onde é que eu vou ?
Eu vi você voltar pra mim.
Eu vi você voltar pra mim.
Eu vi você voltar pra mim."

Legião Urbana
"Já estou cheio de me sentir vazio
Meu corpo é quente e estou sentindo frio
Todo mundo sabe e ninguém quer mais saber
Afinal, amar o próximo é tão demodé."

Legião Urbana

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009


Aqui a sensação não era a mesma, apesar de se tratar de um espaço em branco sendo preenchido por letras, tentando transmitir qualquer coisa que fosse, não era a mesma coisa, e não se devia ao fato de efetivamente não se tratar da mesma coisa, era algo que ultrapassava esse não ser uma folha de papel e uma caneta. O sentir provocado por bater os dedos e ver as palavras surgirem não conseguia adquirir a mesma autenticidade, não havia a mesma marca de angústia que se pode perceber através dos traços feitos pelas próprias mãos, aquela marca singular que a letra de cada um imprime às mensagens, as impressões digitais presentes, de fato, a materialização do sentir. Aqui não era o mesmo, aqui soava falso, artificial, corriqueiro, aqui, antes de ser lido, o que todos faziam parecia igual, visto à distância. Aqui, a primeira vista, todo mundo não passava de farinha do mesmo saco. E tenho dito!

domingo, 6 de dezembro de 2009

Dos primórdios da idealização...


...de quando idealizar era uma experiência lúdica
do acreditar na plenitude das possibilidades...
do ser tudo...
...poder ser tudo
querer ser tudo






[e deixar tudo esvair-se]
quando, daqui a umas horas, a manhã vier branca e fria, saberei eu andar?
lembrar-me-ei como se põe um pé à frente do outro? sem cair...

Al Berto, in O Medo

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Maníacos da procriação, bípedes de rostos desvalorizados, perdemos todo atrativo uns para os outros, e somente sobre uma terra semideserta, povoada no máximo de alguns milhares de habitantes, nossas fisionomias poderiam reencontrar seu antigo prestígio. A multiplicação de nossos semelhantes beira a imundície; o dever de amá-los beira o absurdo
Emil Cioran, História e Utopia


"Quando olhou para o espelho,
os olhos, do outro lado,
disseram-lhe coisas estranhas.
Por exemplo:
pode-se vomitar tudo
menos o medo e a solidão."

Dennis McShade
Oh, abre os vidros de loção,
E abafa
o insuportável mau cheiro da memória.
Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Sofredora (Augusto dos Anjos)


Cobre-lhe a fria palidez do rosto
O sendal da tristeza que a desola;
Chora – o orvalho do pranto lhe perola
As faces maceradas de desgosto.

Quando o rosário de seu pranto rola,
Das brancas rosas do seu triste rosto
Que rolam murchas como um sol já posto
Um perfume de lágrimas se evola.

Tenta às vezes, porém, nervosa e louca
Esquecer por momento a mágoa intensa
Arrancando um sorriso à flor da boca.

Mas volta logo um negro desconforto,
Bela na Dor, sublime na Descrença.
Como Jesus a soluçar no Horto!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

"... e eu quero chafurdar na dor deste ferro enfiado fundo na minha garganta seca que só umedece com vodka, me passa o cigarro, não, não estou desesperada, não mais do que sempre estive, nothing special, baby, não estou louca nem bêbada, estou é lúcida pra caralho e sei claramente que não tenho nenhuma saída..." Caio F.
Seu senso estético não permitiria.
Tudo aquilo era desagradabilíssimo aos seus olhos. Ela não poderia compactuar com tamanha trivialidade!
Tudo que os outros almejavam como “tipo ideal” soava deveras mal aos seus ouvidos, era como se todo aquele arsenal historicamente preparada por seus amáveis ancestrais não lhe coubesse, o tamanho era sempre grande, ela sempre terminava perdida dentro daquelas vestes, seu ser possuía deformidades que impedia sua locomoção dentro daqueles moldes.
Contudo, fora sempre movida por certa covardia travestida de uma infinidade de sentidos controversos que sempre bloquearam aquelas indelicadas palavras que seus semelhantes lhe inspiravam, mas internamente, dentro de si, ela sempre esteve aos berros desejando que todos se danassem!
Era uma espécie de insanidade camuflada de conformidade. Para si, ela se sabia louca, totalmente desvairada, mas para com os outros havia produzido um auto-controle incontrolavelmente imbatível. Nada, nem ela própria, seria capaz de soltar aquelas amarras que impedia que os matassem, mas, por dentro, o extermínio de cada um deles já estava planejado, em determinados momentos cogitava até a possibilidade de acreditar nos maus fluidos, na possibilidade de se jogar pragas, encosto, e toda uma série de coisas pertinentes, mas inatingíveis no seu ceticismo.
Que faltava alguma coisa ela não tinha dúvida.
Sabia também que não se tratava de nada semelhante àquela falta eterna daquela coisa que provavelmente se concretizaria apenas com a morte.
Talvez fosse algum elemento sutil, mas que impossibilitava que se chegasse ao êxito sem a presença dele.

[O bom de ser realista, ou de se supor realista, é a possibilidade de poder livrar-se de grande parte dos clichês (e criar mais um série deles) que podam nossa evolução e justificam a mediocridade com artifícios ou elementos subjetivos que objetivam apenas aquele contentamento conformista, uma verdadeira hipnose para convencê-lo de que não tem dentes visando à aceitação da santa sopa de cada dia.
O fato é que, tendo sido justificado o meu não apego a tais preceitos, a fluência verbal desvincula-se de tais amarras, que mesmo sabendo de sua inconveniência e impertinência, é insistente em levar seu trabalho para todos os departamentos existentes.]

Esta parte ínfima, mas elementar, que imaginava faltar, provavelmente devia estar na ausência dos elementos complementares de compõem esse mundo sujo, ou talvez não sujo o suficiente, afinal, dentro já existia a ânsia, o potencial criativo era inegavelmente real, o que matavam eram as meias ausências, as semi-presenças, quase incompletudes.
Onde estavam os bruscos fins?
As ausências avassaladoras...
E o que fizeram das presenças transbordantes?
Para onde foram as pessoas que exacerbam?
Onde estariam aqueles que preenchem todo o espaço dos olhos,
dos ouvidos,
os que exalam tudo que há de mais singular,
ou até mesmo aqueles que impressionam com o próprio exagero da imbecilidade?
As pessoas estavam/eram opacas demais,
foscas demais,
amenas demais,
mas era um demais que se fazia “demenos”,
um exagero de falta seguido de um exagero de elementos ocos,
um vazio composto por tudo que há de mais nauseante.
Eles eram tão cheios, absorviam tudo que os cercavam de maneira poluente, não filtrada, não selecionada.
Ah! A santa seletividade!
Totalmente mal distribuída entre os seres que habitam a esfera terrestre!
[Há pessoas que necessitam do tal "dialogo de almas", mesmo sem saber exatamente o que ele significa, considerando que as denominações para tal podem ser variáveis. Mesmo sem definições, é possível indetificá-lo quando ocorre, e principalmente quando não ocorre. ]

De quando me tornei massa amorfa

Tudo é irrelevante,
falar,
concordar,
se expor,
omitir-se...
o mais sensato é escolher o menos dolorido,
o menos conflitante,
aquilo que seja capaz de fazer com que você continue invisível,
imperseptível.
Não há grandes causas capazes de valer o esforço,
aliás,
não há causa nenhuma com essa capacidade.
A irreverência é uma farsa,
um problema adquirido sem nenhum benefício,
se algo provoca os seus sentidos,
dane-se,
manifestar-se de forma autêntica e sincera apenas lhe concede danos futuros,
na maioria das vezes irreversíveis.
O nó na garganta é passivel de ser engolido,
é apenas uma questão de prática,
deixar que ele se liberte,
se desate,
imobiliza partes ainda mais essenciais,
o nó apenas se estende para impossibilitar todos os outros movimentos

sábado, 28 de novembro de 2009

"Tento me concentrar numa daquelas sensações antigas como alegria ou fé ou esperança.Mas só fico aqui parado, sem sentir nada, sem pedir nada, sem querer nada."
Caio F.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

"Como é que é? Vai ficar com essa náusea seca a vida toda? E não fique esperando que alguém faça isso por você. Ocê sabe, na hora do porre brabo, não há nenhum dedo alheio disposto a entrar na garganta da gente."
Caio F.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

(...) tudo é engodo e constante ilusão.

O infortúnio se esconde e se abisma no peito,(...)

(Goethe)

sábado, 21 de novembro de 2009

Ah, quem me salvará de existir? Não é a morte que quero, nem a vida: é aquela outra coisa que brilha no fundo da ânsia como um diamante possível numa cova a que se não pode descer.

Fernando Pessoa in Livro do Desassossego

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

"Oh Deus, como é triste lembrar do bonito que algo ou alguém foram quando esse bonito começa a se deteriorar irremediavelmente. C.F.A.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Quando eu quis você
Você não me quis
Quando eu fui feliz
Você foi ruim
Quando foi afim
Não soube se dar
Eu estava lá mas você não viu
Tá fazendo frio nesse lugar
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo em mim
Quando eu quis você
Você desprezou
Quando se acabou
Quis voltar atrás
Quando eu fui falar
Minha voz falhou
Tudo se apagou você não me viu
Tá fazendo frio nesse lugar
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo em mim
Mas se eu já me perdi
Como vou me perder
Se eu já me perdi
Quando perdi você
Mas se eu já te perdi
Como vou me perder
Se eu já me perdi
Quando perdi você

ARNALDO ANTUNES
de todas as pessoas que há no mundo
por que justo você?
foi cair na minha frente assim
como um agouro ruim
por que você?
por que você?
entre tantos homens e mulheres
e mulheres homens e homens mulheres
por que você?
será que eu te pedi pra ir embora
você não foi, e agora?
se quando eu te pedi para ficar você ficou.
por que coxas pelos pele seios
cabelos músculos pescoço
por que?
se o mundo é tão imenso e tudo tão distante
todos tão distantes uns dos outros
cada um por si
como é que eu fui cair
de boca aqui?
se tudo fica tão intenso
quando eu penso em você
e eu
vou ter agora e sempre que sofrer
sem nunca poder esquecer
você?
se existem tantos pensamentos possíveis e impossíveis por que só
a sua imagem vem a todo instante me assombrar
assim?
eu quis você sim
mas não assim
eu sei que eu fui a fim, sim,
mas não assim
se o que te impede de sair da minha vida
insiste em te dizer não
e magoar quem te deseja e te quer bem
também não deixa de querer mas nunca vem
pra mim
não quero nada de você
não quero nada de você
só vocêAlinhar ao centro
de você não quero agora
de você eu quis
você

ARNALDO ANTUNES

sábado, 14 de novembro de 2009



"carrego coisas pesadas e quase não mais flutuo. há tempos, navego sem encontrar portos pelo caminho. lugares onde se possa parar. descarregar as cargas amontoadas. atirar o que é sobra ao chão do cais. navego enquanto posso, sem conseguir me livrar da bagagem. das pedras dentro das malas. sabendo que a mudança foi com a embarcação e não com o mar. navego, sabendo que afundar é questão de tempo." (eduardo baszczyn)
"(...) a verdade é que eles formam para si uma casca de orgulho, um invólucro repugnante, uma sólida hipocrisia, mas no fundo são ocos. Asquerosos e ocos. E padecem da mais horrível variante da solidão: a solidão de quem não tem sequer a si mesmo." Retirado de A Trégua, Mario Benedetti

"O que eu queria era uma caverna no Colorado com um estoque de comida e bebida para três anos. Limparia minha bunda com areia. Qualquer coisa, qualquer coisa que me salvasse do afogamento desta existência trivial, covarde e estúpida." Buk

terça-feira, 10 de novembro de 2009

segunda-feira, 9 de novembro de 2009



"Que vontade escapista e burra de encontrar noutro olhar que não o meu próprio - tão cansado, tão causado - qualquer coisa vasta e abstrata quanto, digamos assim, um caminho" Caio F.

Caio F.

"Ou me quer e vem, ou não me quer e não vem. Mas que me diga logo pra que eu possa desocupar o coração. Avisei que não dou mais nenhum sinal de vida. E não darei. Não é mais possível. Não vou me alimentar de ilusões. Prefiro reconhecer com o máximo de tranqüilidade possível que estou só do que ficar a mercê de visitas adiadas, encontros transferidos..."

domingo, 8 de novembro de 2009

É noite. Sinto que é noite
não porque a sombra descesse
(bem me importa se a face é negra)
mas porque dentro de mim,
no fundo de mim, o grito
se calou, fez-se o desânimo.

Sinto que nós somos a noite,
que palpitamos no escuro
e em noite nos dissolvemos.
Sinto que é noite no vento, noite nas águas, na pedra.

Carlos Drummond de Andrade
Então me vens e me chega e me invades e me tomas e me pedes e me perdes e te derramas sobre mim com teus olhos sempre fugitivos e abres a boca para libertar novas histórias e outra vez me completo assim, sem urgências, e me concentro inteiro nas coisas que me contas, e assim calado, e assim submisso, te mastigo dentro de mim enquanto me apunhalas com lenta delicadeza deixando claro em cada promessa que jamais será comprida, que nada devo esperar além dessa máscara colorida, que me queres assim porque assim que és...

Caio Fernando Abreu
Por favor, não me empurre de volta ao sem volta de mim, há muito tempo estava acostumado a apenas consumir pessoas como se consomem cigarros, a gente fuma, esmaga a ponta no cinzeiro, depois vira na privada, puxa a descarga, pronto, acabou. Desculpe, mas foi só mais um engano? E quantos ainda restam na palma da minha mão? Ah, me socorre que hoje não quero fechar a porta com essa fome na boca...
Caio F.
Fora isso o que sempre estivera nos meus olhos no retrato: uma alegria inexpressiva, um prazer que não sabe que é prazer - um prazer delicado demais para a minha grossa humanidade que sempre fora feita de conceitos grossos.

Clarice Lispector.

sábado, 7 de novembro de 2009

Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti.
Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,
Fiquei sem poder chorar, quando caí.
Cecília Meireles.

sábado, 24 de outubro de 2009

A comparação é totalmente pertinente, não haveria nenhuma possibilidade de questionamento, a não ser por parte dos adeptos aos frutos podres e desprezíveis da humanidade.
Nos memoráveis tempos de minha adolescência, quando ainda existia aquela necessidade gritante de socialização, de pertencer há algo, estar em meio aos iguais e todo um arsenal de motivos fundamentados na mais miserável dignidade adolescente que se embasa nos valores mais mesquinhos possíveis, tempos aqueles em que uma força mais intensa do que os gritos de minha mãe tinha o poder incontrolável de me acordar cedo aos domingos para frequentar o tão admirado Clube de Desbravadores, e para me fazer comparecer, até mesmo com um certo prazer, em todos aqueles acampamentos cobertos de lama, comida ruim, noites mal dormidas, e o principal, seres prepotentes que certamente inspiraram o início do legado da minha própria prepotência.
Pois então, hoje percebo que a sensação desagradabilíssima apenas se travesti, muda-se um pouco os personagens, o cenário, os valores pelos quais esses personagens prezam, mas a náusea que proporcionam sempre permanece.
Quando notei que estava quase estourando meus tímpanos com os fones de ouvido no máximo volume repassando minha lista de músicas provida do máximo de requinte que consegui alcançar, tive aquela mesma sensação dos dias em que chegava dos acampamentos e tomava os banhos mais quentes e demorados possíveis como forma de dar as costas para toda aquela valorização do contato direto com a natureza e principalmente com o contato direito com a àgua gelada da natureza, executava minhas mais perversas farras gastronômicas com a satisfação que só os recursos da auto-destruição proporcionam, era uma purificação inversa contra todos aqueles dias de aveia, lentilha e sopas de repolho, e dormia o mais profundo sono, e por mais paradoxal que seja, sentido-se verdadeiramente leve.
O fato é que mesmo com os tímpanos provavelmente sofrendo sérias lesões, e com toda aquela perturbação que fones de ouvido no volume máximo proporcionam, ainda assim, vou dormir com a certeza de ter me purificado de todas aquelas atrocidades que invadiram meu campo visual e auditivo... faltam apenas os interlocutores de valor para me livrar da interação com tanta tolice...

sábado, 17 de outubro de 2009

Até as faltas mais torpes são passíveis de tolerância, menos a ingratidão, ela é a verdadeira Besta que deixa sua marca no herege morderno.

sábado, 10 de outubro de 2009



"[...]Que nojo o mundo, este jardim de ervas daninhas. [...]"
(Ato I, Cena II: Príncipe Hamlet)

domingo, 4 de outubro de 2009

Dos tempos em que o pieguismo não soava como uma afronta ao bom gosto...

"Há um muro de concreto entre nossos lábios
Há um muro de Berlim dentro de mim
Tudo se divide todos se separam
A diferença é o que temos em comum

Não ha nada de concreto entre nossos labios
Só um muro de batom e frases sem fim
holofotes nos meus olhos cegam mais do que iluminam
nem caiu a ficha e já caiu a ligaçao"
(engenheiros do hawaii)

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Desproposital Nostalgia

Há situações que carregam consigo uma certa magia mesmo tendo sido comprovado empiricamente o quanto podem ser desagradáveis em seus desdobramentos.

Essa era uma daquelas noites em que ela gostaria de estar sentido o mau cheiro daquela rede molhada pela chuva e secada pelo sol incontáveis vezes, ouvindo “Sob um céu de blues” no volume mais incomodativo possível para os viventes dos arredores, colocando em risco a vida útil dos seus tímpanos, vendo aquela lua imensa ameaçando cair sobre sua cabeça no primeiro deslize em que ousasse dormir, ingerindo aquelas substâncias baratas totalmente características de todo o contexto, vagando pelo seu corpo na inútil tentativa de driblar os efeitos do frio, e todo aquele arsenal de palavras vãs, toda aquela banalidade falsamente poética, fatalmente inculta, totalmente desprovida da dignidade fabricada pela contemporaneidade.
Em noites como aquelas ela necessitava daquele caos, daquele cheiro de cigarro misturado com incenso, impregnados nas paredes, nos móveis, nas cortinas, na pele, no cabelo... Faltavam sensações aromaticamente definidas como aquelas.
Queria outro exemplar daqueles pseudo-intelectuais inconseqüentes lhe contando histórias de livros que ela depois chegaria a ler para tentar alcançar novamente aqueles sentidos indefiniveis . Doía um pouco saber que nenhum outro lhe contaria tão bem a história do “Como me tornei um estúpido”, em cima de um telhado que anunciava em sua estrutura que seus dias estavam contados...

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Nem sempre há uma explicação plausível, aceitável, justificável, digna, coerente... O que se sente em relação às coisas, em relação ao mundo, em relação às pessoas simplesmente flui de lugar algum, e não se direciona a nada, apenas paira no ar, deixando aquela sensação semelhante aos dias de calor quando não há vento. Abafa, sufoca, respira-se arduamente, pouco ar a ser dividido entre tantos seres.
Os sentidos que derivam de motivações especificas assemelham-se ao frescor do fim de uma tarde de inverno, quando o sol ainda aquece, mas de forma sutil, proporcionando sensações inexplicáveis na pele gélida, mesmo não se tratando de circunstâncias agradáveis, ainda se tem aquele leve resquício de algo inominável anunciando que a alteração de algum elemento poderia fazer com que as coisas se acertassem, são circunstâncias em que os argumentos habituais ainda têm alguma serventia, quando ainda é possível dizer que ‘vai passar’, ou outros artifícios de continuidade do mesmo gênero. Contudo, quando não se consegue identificar qualquer espécie de motivo, dilaceram-se as possibilidades.

Algo anunciava que o dia não seria bom, e ela sabia não estar equivocada em relação a isso, aquele distanciamento em relação ao que acreditava ser, e ao que realmente era, de acordo com as evidências irrefutáveis, acirrava-se nesses dias. Demorava tanto para os merecimentos, e antes deles era preciso passar pelas situações mais desagradáveis que se pode imaginar. Causava certa fúria a constatação daquele descaso tão espontâneo, algo premeditado certamente inflamaria menos a pele, definitivamente, personificar a irrelevância é um trabalho árduo que exige um longo percurso, porém, irreversível após feito.
Ela queria dizer tantas bobagens, tão imprecisas quanto os seus pensamentos. Queria que soubessem o quanto os achavam detestáveis, queria poder dizer que qualquer sentimento que transcendesse aquela dependência direcionava-se para maldizeres, mas não haviam sujeitos, sofria da falta de interlocutores.
Ela só tinha um cachorro e um cigarro, e considerando que o primeiro não ouviria e o segundo calaria sua boca, sentou-se naquele chão sujo e esperou... Incansavelmente esperou por tudo o que certamente não viria. Dias como estes são capazes de destruir a leveza conquistada por toda uma vida.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

(em caso de não continuidade - siga a marcha fúnebre)

Todos aqueles pensamentos eram insistentes, diariamente apareciam nem que fosse pelo simples fato de fazer-se notar, nada muito marcante nem muito dolorido.
Na verdade doía, mas era aquela dor que não compensava o efeito colateral de qualquer analgésico, uma dor de anunciação querendo reclamar um passado mal digerido, como se alguém dentro abrisse as janelas da alma, ou daquilo que chamamos de alma, e despejasse pequenos fragmentos de vida concretizada ou meramente imaginada, deixando-as fluir pelas frestas, almejando livrar-se ou apenas compartilhar todas aquelas lembranças indigestas, lembranças estas que ainda traziam um gosto na boca, um som aos ouvidos e todo aquele excesso de imagens em tão pouco tempo, nada assimilado por completo.
E aquele nó impossível de ser desatado ou então simplesmente empurrado estomago adentro, e aquele “nós” impossível de ser resgatado ou apenas esquecido, guardado no fundo de uma gaveta qualquer junto com todas aquelas coisas as quais estamos totalmente cientes de que nunca mais terão utilidade, mas que por uma espécie de piedade, guardamo-las com aquela sensação enganosa de um dia precisar novamente, nem que seja apenas como forma de materialização de um passado significativo.
Mas a persistência em se mostrarem vivas causava uma perturbação que impedia o enterro, um eterno funeral de lembranças ainda vivas, quase um rito, uma espécie de cerimônia para adverti-las de que mesmo estando apenas “meio mortas” haveriam de ser enterradas, seus últimos momentos seriam a asfixia.
Entretanto, analisando o requinte de crueldade de uma asfixia, foi então que decidi matá-las...
Ao se analisar com frieza todas as situações que permeiam a existência, certamente têm-se um sentimento absurdo de banalidade, nada escapa do crivo de uma reflexão mais apurada e estritamente racional.
Absolutamente previsíveis, e inescapáveis, as situações se desenvolvem com pequenas variações de tempo, espaço e personagens.
Os que pensam estar preservando certa individualidade e exclusividade em relação a sua interação com todas as facetas do próprio eu, e com o todo que os envolvem, certamente, em algum momento, em meio a qualquer fato banal, ou então, no que pensam ter ou ser de mais excêntrico e incomum, inevitavelmente, em algum dos momentos deixarão cair os óculos com as lentes que distorcem a realidade, ou então se distanciarão demais da neblina enganadora que os envolvia, e indiscutivelmente se darão conta do roteiro pré-estabelecido que estavam seguindo, ludibriados apenas com sutis e quase imperceptíveis variáveis, que ao serem colocadas no cálculo geral, não servem de agravantes de peso significativo.
Não se trata de pensar em ideologia, manipulação, alienação, ou qualquer derivação de tais termos repugnantes, a nossa própria biologia, que independe de qualquer fator influenciável pela “inteligência” humana, já faz de nós essa coisa genérica, totalmente substituível.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Sensações
Náusea crônica
Totalidade indigesta
Vomitar-se do mundo

sábado, 19 de setembro de 2009

Definitivamente, não sou capaz de manter uma relação amigável com minhas estratégias de auto-engano, sempre acabo sendo sabotada por essas calhordas. E tenho que suportar seus risinhos cínicos, e sua eloquência inconfundível , despejando sobre mim seus bem articulados verbetes anunciando que eu já sabia que elas não eram confiáveis.
O fato é que há sempre algum atrativo nas mesmas que me induz a compactuar com elas. O que as tornam tão atraentes, e irresistívelmente convincentes, é o fato de servirem como auxílio no enfrentamento dos percausos subjetivos. São resolutoras incomparáveis para as circunstâncias que criamos no imaginário, porém, nunca resistem quando verdadeiramente e objetivamente são colocadas à prova.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Eu quero
Ser exorcizado
Pela água benta
Desse olhar infindo
Que bom
É ser fotografado
Mas pelas retinas
Dos seus olhos lindos
Me deixe hipnotizado
Prá acabar de vez
Com essa disritmia...

Z.B.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Abraça tua loucura antes que seja tarde demais

Quando o monólogo interior ultrapassa o estritamente interior, com essa necessidade gritante de materialização em palavras, e não se possui um interlocutor para tal, a insanidade torna-se certa. Entretanto, que propriedade eu teria para falar sobre o que pode vir a ser insanidade?
Eis-me aqui! A personificação do que se pode chamar de "homem do senso comum!
Pode ser que seja uma tentativa de falar sobre essa loucura que se gesta, evidenciando-se através de abruptas sutilezas...
Afinal, nada poderia se caracterizar mais como loucura do que tornar-se ao mesmo tempo locutor e interlocutor, trata-se do momento em que o monólogo já não basta, a necessidade sem possibilidade de ultrapassar essa condição.
Contudo, hoje em dia é possível atribuir um distúrbio psicológico para cada indivíduo, principalmente porque todas as caracteristicas inerentes ao ser humano são apontadas como sintomas de algo passível de medicação.
Sendo assim, nenhum escrúpulo me impede de ser o louco, mesmo porque, sendo eu mesma o locutor e o interlocutor, em nenhuma das duas posições eu colocaria obstáculos maiores do que os possíveis de serem ultrapassados pelo tamanho das minhas pernas (não nesse caso), que pudessem me impedir de exercer essa papel.
Essa auto atribuição de loucura é uma espécie de auto proteção contra a verdadeira loucura. Me protejo contra a verdadeira, sufocando minhas angústias e neuras nessa pseudo loucura, ou seja, eu a abraço antes e a mantenho no meu controle, eu a internalizo para que fique no meu domínio para que o oposto não ocorra.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Sei rir mostrando os dentes e a língua afiada
mais cortante que um velho blues
Mas hoje eu só quero chorar
como um poeta do passado
e fumar o meu cigarro
na falta de absinto
Eu sinto tanto
eu sinto muito
eu nada sinto

Z.B.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

São só palavras: teço, ensaio e cena
A cada ato enceno a diferença
Do que é amor ficou o seu retrato
A peça que interpreto
Um improviso insensato
Essa saudade eu sei de cor
E há muito estou alheio a quem me entende
Recebe o resto exato e tão pequeno
E dor, se há - Tentava, já não tento
E ao transformar em dor o que é vaidade
E ao ter amor se este é só orgulho
Eu faço da mentira, liberdade
E de qualquer quintal, faço cidade
Insisto que é virtude o que é entulho:
Baldio é o meu terreno e meu alarde.

R.R.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A vida tem sido deveras medíocre ultimamente, entretanto, em algum momento ela não foi, ou apenas existia um certo caos em relação a mediocridade, ou seja, ela se fazia presente, porém, o fato da sua extrema consciência deixavam maiores as possibilidades de livrar-se dela?
A diferença não estaria no fato de agora a mediocridade estar envolta em uma certa imobilidade ainda mais intensa?
Existiria um total estado de imobilidade na mediocridade ou um total estado de calmaria inconsciente de qualquer mediocridade mas totalmente imerso na mesma?
[estaria eu caminhando para tal?]
Creio que esse desespero seja apenas imaturidade, uma sensação tipíca de quem ainda está na infancia existencial.
O fato é que a vida sempre segue o seu fluxo, independente dos percausos desses seres pequenos que somos; ok! sem generalização, desse ser pequeno que sou. Mas tirar o resto da humanidade dessa generalização de pequenez não seria superestimá-los? Afinal, pelo que a minha constatação embasada em observação de um insignificante ser em sua infância existencial, a mesquinhez impera sobre a humanidade. Mas que credibilidade, que sanidade, que capacidade eu poderia ter para fazer tais constatações? Em contrapartida, eu não estaria me subestimando?
É de fato característico de seres pertencentes a infância existencial apelar para os extremos, e a consciência disso não ameniza absolutamente a situação, trata-se de uma daqueles situações em que se tem plena consciência de que o fato de ter certa postura é totalmente decorrência da posição em que se está ocupando, porém, no que difere? Afinal, como já disse anteriormente, o fato de se ter consciência de algo não altera susbstancialmente a situação, porém, o que a alteraria?

[algo realmente se altera? e se ocorre a tal alteração, quais são as garantias de direção ao exito? e o que seria esse tal exito?[

Acalmaria na mediocridade serviria para algo? E o caos na mediocridade, do que poderia servir? E o que seria extingui-la? E o que fazer do estado de total ausência de mediocriade? Imaginar tal estado e analisá-lo porteriomente já se demonstra como algo falho, resta sempre pequenos vestigios de algo extremamente pequeno em tudo o que é imaginável....
Mas o inimaginável não é alcançável, é algo que apenas se sabe, ou se pensa saber, mas não se mensura, um estado ideal, termo que não deveria ser aplicado, totalmente falho, ele sempre nos escapa, e desse modo, não se aplica, usa-se apenas para demonstrar ainda mais mediocridade, aquela que se remete a falta de compreensão em relação a tudo que se faz presente, mesmo dentro de tanta pequenez, ainda falta... O fato é que a falta sempre impera.

[mesmo não sendo o caso, qual seria a utilidade de expressar-se? No que isso resolveria, ou ao menos amenizaria qualquer situação?]

É um vazio pleno... a plenitude no vazio.

sábado, 15 de agosto de 2009

que exista em ti
minha casca
minha casa
deixa-me ficar
em ti e por ti
para sempre
[me faltam os músculos de existir se te vais]
Luminosidade opaca que me habituei a tomar como certa e que sempre me untou a alma de uma angústia sem razão.
Creio que nunca abandonei de fato a falta de coragem que me persegue desde pequena, que me encurrala no medo diário de me procurar, de atingir aquilo a que devia ter aspirado, a metamorfose final em mulher, o ponto de chegada do ciclo de eterna gestação em que me arrasto.
Nunca tinha me visto sem máscara como agora, onde está a minha ironia, o meu escárnio, a minha força inabalável?
[senti uma súbita auto-piedade e detestei-me por isso]
Sou afinal tão igual, tão igual a toda a gente, que me dói sem que saibam suspeitar-me assim indefesa, assim humana, que me magoa sem que eu demonstre, descobrir-me tão à sua medida agora que tenho de partir, que uma vez mais tenho de partir..

terça-feira, 11 de agosto de 2009


"Alguém que tenha sobrevivido a duas ou três gerações encontra-se na mesma dis­posição de espírito que um espectador que, sentado numa barraca de saltimbancos na feira, vê as mesmas farsas repetidas duas ou três vezes sem interrupção: é que as coi­sas estavam calculadas para uma única re­presentação e já não fazem nenhum efeito, uma vez dissipadas a ilusão e a novidade." (Schopenhauer - Dores do Mundo)

sábado, 1 de agosto de 2009

- Quando foi que se apegou tão fortemente às tais condições objetivas? Ora, procuremos algo de sensato dentro dessa infinda insensatez. Como podes? É improvável que consiga exito dentro desse paradoxo... tentas ser um louco consciente e controlador da própria loucura?
Esse discurso pautado nas "condições objetivas" é para os que estão em pleno estado de sanidade, e o simples fato de eu ser o seu interlocutor nesse momento já o liberta das responsabilidades para com esses parâmetros.
Permanecerás grávida de um futuro que não se atreveu a arriscar por conta das ditas "condições objetivas", com a insatisfação de relembrar um passado de dias abortados? Esse caminho que vos obriga a seguir, e que tens caminhado penosamente por ele, unicamente será capaz de levar-lhe para um estado de constante e imparável multiplicação de uma solidão sem remédio. Se persiste em provocar arranhões nesse 'tipo ideal' que tens seguido, torturantemente, por que não quebras de uma só vez?