sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Vai, ano velho

Vai, ano velho, vai de vez,
vai com tuas dívidas
e dúvidas, vai, dobra a ex-
quina da sorte, e no trinta e um,
à meia-noite, esgota o copo
e a culpa do que nem me lembro
e me cravou entre janeiro e dezembro.

Vai, leva tudo: destroços,
ossos, fotos de presidentes,
beijos de atrizes, enchentes,
secas, suspiros, jornais.
Vade retrum, pra trás,
leva pra escuridão
quem me assaltou o carro,
a casa e o coração.
Não quero te ver mais,
só daqui a anos, nos anais,
nas fotos do nunca-mais.

Vem, Ano Novo, vem veloz,
vem em quadrigas, aladas, antigas
ou jatos de luz moderna, vem,
paira, desce, habita em nós,
vem com cavalhadas, folias, reisados,
fitas multicores, rebecas,
vem com uva e mel e desperta
em nossso corpo a alegria,
escancara a alma, a poesia,
e, por um instante, estanca
o verso real, perverso,
e sacia em nós a fome
- de utopia.

Vem na areia da ampulheta com a
semente que contivesse outra se-
mente que contivesse ou-
tra semente ou pérola
na casca da ostra
como se
se
outra se-
mente pudesse
nascer do corpo e mente
ou do umbigo da gente como o ovo
o Sol a gema do Ano Novo que rompesse
a placenta da noite em viva flor luminescente.

Adeus, tristeza: a vida
é uma caixa chinesa
de onde brota a manhã.
Agora
é recomeçar.
A utopia é urgente.
Entre flores de urânio
é permitido sonhar.



Affonso Romano de Sant'Anna

sábado, 25 de dezembro de 2010

Às vezes quero crer mas não consigo
É tudo uma total insensatez
Aí pergunto a Deus: escute, amigo
Se foi pra desfazer, por que é que fez?


(Vinicius de Moraes)

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

[Então fingirás - aplicadamente, fingirás acreditar que no próximo ano tudo será diferente, que as coisas sempre se renovam]

 Caio Fernando Abreu

Constatações

Antes o furor do sentimento excessivo
que o ardor de um coração ressequido

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Alex Kanevsky

[Essa mania despropositada que as pessoas possuem de estar sempre partindo... Meu reclame incansável. Contudo, em um surto de lucidez, indago-me: Se partindo elas me ferem, como sentem-se, então, com o meu nunca estar?]

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Eternidade inútil - Cecília Meireles

Até morrer estarei enamorada
de coisas impossíveis:

tudo que invento, apenas,
e dura menos que eu,
que chega e passa.

Não chorarei minha triste brevidade
unicamente a alheia,
a esperança plantada em tristes dunas,
em vento, em nuvens, n'água.

A pronta decadência,
a fuga súbita
de cada coisa amada.

O amor sozinho vagava.
Sem mais nada além de mim...
numa eternidade inútil.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

De quando pensa-se em chafurdar...

Entre aquilo que há de ser estabelecido
E tudo o que necessita ser restabelecido
Reside uma infinidade de possibilidades
Por vezes tortuosas, por ora nauseantes

É quando, por alguns instantes,
Cogita-se o quão tranqüilo seria existir
Caso a existência fosse uma instituição que exigisse uniforme.
Essa ausência sem nome...
[por quem a voz gritaria?]
Essa falta sem rosto...
[em que imagem o possível desesperar se firmaria?]
Essa saudade do inominável...
[por que elemento eu reclamaria?]

A mesma lembrança persistente
Do que outrora,
fez-se terreno fértil no imaginário
Mas que fora,
objetivamente,
deveras fantasioso e inexistente

Esse desejo voltado unicamente para dentro de si
Sem forma, sem gosto...
mas de plenitude inquestionável

E essa vontade do outro,
possuidor da doçura que o meu ser não abriga.

O despertar da controvérsia
A persistência do paradoxo

O mesmo espaço impreenchível e em expansão...

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Não deixe portas entreabertas
Escancare-as
Ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas
Passam apenas semiventos,
Meias verdades
E muita insensatez.

Cecília Meirelles

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Oscila minha amargura
Entre delírios
Falta de nexo
E falsa brandura

Adormecem os meus sentidos
Quando por instantes
Julgo os males assimilados
E os tormentos de outrora esquecidos

O Caos me assola
E a existência degradante tarda a findar
Arrastando a matéria inerte
Em meio aos prazeres escassos

Do [auto] apelo desesperado...

Procura-se,
dentro ou fora,
Reservatório de forças
para atravessar dezembro
sem ceder ao doce encanto da loucura

sábado, 4 de dezembro de 2010

Dos tiros no pé...

Ah! Os intrinsecamente sinceros!
Alvos fáceis em todas as circunstâncias
Até os que associam a tal estigmatizante característica à discrição
Falsamente proclamada como capaz de promover a manutenção da coexistência dos poucos habilitados para a mesma
Analogicamente posta como possuidora dos efeitos da água
Solvente universal de qualquer substância
Nem mesmo os mais bem articulados artifícios são capazes de camuflar tal peculiaridade
Nem a discrição os permite escaparem ilesos
Dos efeitos invariavelmente devastadores
Da incurável e espalhafatosa sinceridade

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Alice Vieira - Cadernos de Agosto

" “Nenhum homem é de fiar”, diz sempre a Luciana ao fim-de-semana.
As paixões eternas da Luciana duram quase sempre oito dias. Ao fim desse tempo ela morre de amor, descobre que afinal nasceu para freira ou deixa-se convencer pela Super-fixe que as mulheres solteiras são as de maior encanto e sedução.
Depois na segunda-feira seguinte esbarra com um qualquer moreno de olhos verdes (loiro de olhos azuis, moreno de olhos castanhos, loiro de olhos verdes, ruivo de olhos pretos, para o caso tanto faz), e volta tudo ao princípio.”


Alice Vieira (Lisboa, 1943)
Jornalista e escritora, licenciada em Filologia Germânica.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

De quando o maluco [NÃO] sou eu...

Não, eu não tenho um sorriso pronto para quando solicitado, não adianta os clamores explícitos e implícitos insistirem para tal, eu não vou sorrir se não estiver disposta e se isso não fluir do mais puro, limpo e sincero dos meus desejos, ou da vontade incontrolável dos meus músculos faciais, ou até mesmo quando o meu sarcasmo, e  meu humor ácido não aguentarem prender os dentes escondidos dentro da boca.
Qual é a dessas pessoas que pelo simples fato de ouvirem o imperativo: Sorria! já estão com os dentes à mostra como se estivessem frente a um grande e suculento bolo de chocolate coberto com morangos frescos?
Para a boa convivência, o máximo que podem ser capaz de tirar de mim é a boa e velha cara de paisagem, que me acompanha por todo o percurso existencial, totalmente pertinente até o presente momento,  apaziguadora dos males provocados pelas diferenças incontornáveis entre os quais a convivência se faz imprescindível.
Agora sorrir não, sorrir não é possível, e forjar o sorriso é comprovadamente ineficaz. Se eu não quiser, se eu não estiver com vontade, e não for motivada pelos meus próprios anseios ou pelos estímulos alheios, eu não vou sorrir! e pronto! sem abertura para negociações!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Antes que a cor obstrua o discernimento dos sentidos.....




Romaine Brooks - Una, Lady Troubridge, 1924.

Do processo de metamorfose...

Daquilo tudo que outrora era medo paralisante...
Hoje não ultrapassa o mero trabalho mental decorrente do tédio e do ócio, insignificante
E das importâncias consideradas
E certezas que supunha resistentes,
 não fora nada além de folhas ressequidas
Apenas resquícios imperceptíveis de pensamentos irretornáveis

terça-feira, 23 de novembro de 2010

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

De quando me [re]conheço...

            Imagino que o menos importante seja o momento em que isso aconteceu. Afinal, meu ceticismo não me permite levar muito a sério qualquer teoria que possa vir a se apresentar como possibilidade redentora, e isso inclui as psicologizantes que supõem que a elucidação da origem das situações possam ser o principio de sua resolução. O fato é que, muito provavelmente houve um momento em que decidi, ou que as circunstâncias me forçaram a tal, mas, independentemente, tornei-me uma exímia Expectadora da Existência, com teores requintados de profissionalismo na arte.
             E isso se evidencia com ainda mais ênfase nessas épocas do ano, em que, por uma infeliz ironia do velho sarcástico que costumamos chamar de Acaso, o contexto geral em que se está culturalmente inserido, faz com que as portas das redomas se abram, e a socialização se exacerbe desmedida, desproposital e incontrolavelmente. E eu, em meio a todo esse excesso de luz e esse excesso de nada a dizer sendo demasiadamente dito, reafirmo a minha convicção do quão acolhedor é o aconchego dos meus aposentos localizado nos bastidores, de onde se pode apenas observar, e vez ou outra vomitar uma poesia melancólica, ou alimentar uma possibilidade de amor a não ser correspondida.

Do generalizado cansaço....

Há dias em que de nada vale tentar salvar-se pela beleza
em que nem a doçura acalma a alma epilética
Há dias em que nada abranda,
que os subterfúgios habituais já não proporcionam acalanto
Em que as pernas tremem compulsivamente sem motivo aparente
Há dias em que as mãos não descançam em busca de ocupar-se para esquecer-se
E o coração saltaria pela boca se não ficasse preso entre os dentes
 Os sentidos ousam, por alguns segundos, deixar suas funcionalidades...
O corpo dando sinais de que a qualquer momento será paralisado por absoluto
E a mente, na incansável contraditoriedade,
 Nem ao menos apresenta indícios da possibilidade de piedosamente diminuir sua velocidade

Lawrence Alma-Tadema (1836-1912) - A Favorite Custom,1909

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Felix Vallotton - La Blanche et la Noire, 1913

Josep María Mallol Suazo - 1952

Do tardio entendimento....

Eu era um abismo imperscrutável
de dimensões imensuráveis
 havia momentos em que me via
 sufocar pela falta de ar,
e adoecer pela ausência de luz
Perdia por absoluto o vínculo com a realidade
e tornava-se apenas um imaginário incontrolável
chegando a acreditar-se como não mais pertencente à espécie
Incompreensível e inomivável pelo outro
e pelo eu inalcançável
Imersa no mais profundo abismo de si,
por si,
 e para si.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Da hora de partida...

Não, não me peçam para fazer as malas,
as mãos estão a amparar o peso intolerável das lembranças

Encontro-me em definitiva partida
e deixo também aqui o invúlucro que me protegia

Aqui já não mais estou...

Não enviem os pertences que deixei
As fantasias penduradas no armário
que julgaram haverem sido esquecidas
foram abandonadas, não sobrevivo de antiquários

Aqui já não mais estou...
E já não deixo rastros
pois, já não há aquilo que fui...

e nada
absolutamente nada
 posso saber do descontínuo que serei

Do tornar a [D]existência [IN]tragável....

A doçura leve das palavras...
invadindo a aspereza das minhas angústias reincidentes,

As mentiras que incentivo ...
em prol do obscurecimento da realidade enfadonha

Meus castelos de areia ...
sobre os quais diariamente me debruço na construção incansável 

De concreto: apenas a existência
De [in]correto: apenas a persistência

De humano: TUDO!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Do [des] entender o caos incansável...

Mas é que além da minha não habilidade de apreciar mansamente as transições
não me proveram dos mecânismos amortecedores do impacto da mudança
nem ao menos me amaldioçoaram com a peste paralisante da inércia e da constância

Eis que a todo tempo me movo por onde as pernas alcançam
e nada do que vejo ou sinto chegam a mim como um porto

As idéias e palavras desconexas,
as ações comedidamente impulsivas,
e a noção do paradoxo persistente

Destoantes dançam 
no infindo espetáculo imaginário
dos polos extremos de contentamentos oscilantes
da tragédia da minha existência...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Demasiada Loucura é o mais divino Juízo -
Para um Olhar criterioso -
Demasiado Juízo - a mais severa Loucura -
É a Maioria que
Nisto, como em Tudo, prevalece -
Consente - e és são -
Objecta - és perigoso de imediato -
E acorrentado -


Emily Dickinson, in “Poemas e Cartas”
Tradução de Nuno Júdice
Houve um poema,
entre a alma e o universo.
Não há mais.
Bebeu-o a noite, com seus lábios silenciosos.
Com seus olhos estrelados de muitos sonhos.

Houve um poema:
Parecia perfeito.
Cada palavra em seu lugar,
como as pétalas nas flores
e as tintas no arco-íris.
No centro, mensagem doce
E intransmitida jamais.

Houve um poema:
e era em mim que surgia, vagaroso.
Já não me lembro, e ainda me lembro.
As névoas da madrugada envolvem sua memória.
É uma tênue cinza.
O coral do horizonte é um rastro de sua cor.
Derradeiro passo.

Houve um poema.
Há esta saudade.
Esta lágrima e este orvalho - simultâneos -
que caem dos olhos e do céu.

Cecília Meireles

Jack Vettriano - Valentine Rose

Michael Parkes


Tudo varrido para longe dos pés
Isto - é a imensidão -



Emily Dickinson
Poemas e Cartas (Trad. Nuno Júdice)
as mãos medindo a palmo
o desejo, esse engano

fundo e breve
que alarga a noite.

Renata Correia Botelho

Leon Francois Comerre (1850 - 1916) - The Ballerina Rosita Mauri

Delphin Enjolrasborn (1857 -1945)



Digo-te por isso
que não me obrigues a luz.
Que escrever não é fácil,
que viver não é fácil
quando começamos a frase a meio.
Que lavo a cara ao chegar tão tarde
e mesmo assim o dia não se despega,
e mesmo assim
tu não estás, ninguém está.
Que não tenho espaço na minha secretária,
na minha vida, na minha cama
para tanto espaço.
Que já me disseram urbana,
e nem por isso me disseram decadente,
e que eu gostei.
Que já me disseram
muitas vezes
disfarçadamente triste,
e que por isso, por ser triste, por
sermos todos tristes, não mo deviam dizer.
Digo-te por isso
que não era minha intenção dizer-te mais uns versos
tristes e sem luz, e por isso, só por isso,
não era minha intenção dizer-te nada


Filipa Leal

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Charles Edouard Edmond Delort - A Voluptuous Smoke


Coloca uma palavra
no vale da minha nudez
e planta florestas de ambos os lados,
para que a minha boca
fique toda à sombra.




Ingeborg Bachmann

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Harry Wilson Watrous (1857 – 1940)



A casa desabitada que nós somos
pede que a venham habitar,
que lhe abram as portas e as janelas
e deixem passear o vento pelos corredores.
Que lhe limpem
os vidros da alma
e ponham a flutuar as cortinas do sangue
– até que uma aurora simples nos visite
com o seu corpo de sol desgrenhado e quente.
Até
que uma flor de incêndio rompa
o solo das lágrimas carbonizadas e férteis.
Até que as palavras de pedra que arrancamos da língua
sejam aproveitadas para apedrejarmos a morte.





                                                                                                                                 Albano Martins


preciso de ter sempre água por perto, diz a mulher, preciso de água para diluir o coração




Dulce Maria Cardoso

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

domingo, 31 de outubro de 2010

[Porque não estás aqui?, era a sua pergunta sem destinatário concreto ou conhecido, feita ao vazio e no vazio, na consciência de que nunca ninguém estaria ali, de que ali nunca haveria ninguém para vir ter com ela num tempo menos efémero, que a sua ruptura da noite teria de se fazer como até então, ao sabor das fomes repentinas e de encontros avulsos, de insatisfações permanentes e de aventuras sem compromisso, de fulgores precários e de breves epifanias como as do fogo-de-artifício a enrendarem-na no fio de Ariadne interminável que ela assim desenrolava no seu próprio labirinto e nunca a nada poderia prendê-la e nunca a ninguém haveria de indicar qualquer espécie de caminho que lhe dissesse respeito.

Vasco Graça Moura]

sábado, 30 de outubro de 2010

Os estragos da noite foram vastos,
inversos ao pulsar da primavera:
há tempo em que se luta pelos gastos
rastos da vida e o tempo novo gera

desilusão somente, esse viscoso
correr da insónia como se já água
as lágrimas não fossem e no fosso
há pouco aberto qualquer outra água

de natureza opaca suspendesse
a sua interminável queda; voltas
por fim à noite espessa que já tece
a madrugada com as linhas soltas

da minha vida, versos que transformam
em realidade as sílabas que os formam





Gastão Cruz
Não é fácil resistir a tudo
o que nos roubam.
Tempo, memória, mundo.
Toleramos o insuportável
com insuportáveis venenos.
Até melhor ordem, se houver.


Noutras casas (lembro-me)
éramos mais, bebíamos
apressadamente a juventude.
Mas a vida — chamemos-lhe
assim — separa os que se juntam,
gosta de abismos fáceis.





Manuel de Freitas

Do reincidente cansaço...

Dava-me uma preguiça desmedida
saber que tudo ainda estava por ser descoberto,
Um tédio imensurável
em constatar a falta crônica de mecanismos
para dispor-se a tal busca, e
Uma angústia desesperada
ao notar o tempo veloz anunciando
em suas voltas imparáveis
que estava se esvaindo...
Tentava assimilar a condição de Humanidade,
E toda a sua intrínseca transitoriedade,
Mas só era capaz,
na infinda imaturidade,
De implorar pela constância,
De subsidiar
a degradante ansiedade,
Concomitante ao incessante clamar pela mudança
Fazia-se paradoxo,
Na busca incansável
de substituir o que se foi perdido
Junto com seus sentires,
deveres,
quereres
e saberes ortodoxos.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Jean Beraud

Louis Abel-Truchet (1857-1918)




Auguste Toulmouche, 1829 -1890



[Quanto vale uma possibilidade de Amor?]

Soneto na morte do homem que inventou as rosas de plástico - Peter Meinke

O homem que inventou as rosas de plástico morreu.
Reparem na sua importância:
as suas flores imperecíveis e imaculadas nunca murcham
mas resolutamente velam o seu túmulo através da escuridão.
Ele não compreendeu a beleza nem as flores,
que enredam os nossos corações em redes suaves como o céu
e nos prendem com um fio de horas efémeras:
as flores são belas porque morrem.
A beleza sem o seu lado perecível
torna-se seca e estéril, um palco abandonado
com uma floresta de enganos. Mas a realidade
dá razão à invenção deste homem; ele conhecia a sua época:
uma visão do nosso tempo impiedoso revela-nos
homens artificiais cheirando rosas de plástico.


Tradução de Ricardo Castro Ferreira

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

FUGA - Adolfo Casais Monteiro (1908-1972)

Aos ventos espalhei a cinza dos meus gestos.
Num desprezo de mim, fiz-me poeta,
traí os meus sonhos, enchendo vãos papéis
de traços sem sentido e talvez falsos.
Fui poeta como alguns se suicidam,
como outros partem sem destino certo.
Sonhei-me longe de tudo o que possuo
– longe de mim, longe de quem? –
afastado, sem contas a prestar...
Foi longo o meu engano. Agora vejo
que nunca de mim eu me afastei...

Da desconstrução prévia...

Eu fazia da vida uma aventura imaginária extensa
Deixando com que o tempo se esvaisse em meio a uma complexa irrealidade
Em busca de uma objetividade apreciável e intensa

Mas não ultrapassava um desmedido sentir platônico...

Um viver por entre os destroços de uma alma propensa
Desencaminhada por ofício, por entre os incontáveis labirintos
Ao que proporciona uma realidade nonsense descabida e tensa

domingo, 24 de outubro de 2010

Lucia Sarto


“A solidão às vezes é tão nítida como uma companhia. Vou me adequando, vou me amoldando. Nem sempre é horrível, às vezes é até bem mansinha.”
 
(Caio F.)