segunda-feira, 29 de novembro de 2010

De quando o maluco [NÃO] sou eu...

Não, eu não tenho um sorriso pronto para quando solicitado, não adianta os clamores explícitos e implícitos insistirem para tal, eu não vou sorrir se não estiver disposta e se isso não fluir do mais puro, limpo e sincero dos meus desejos, ou da vontade incontrolável dos meus músculos faciais, ou até mesmo quando o meu sarcasmo, e  meu humor ácido não aguentarem prender os dentes escondidos dentro da boca.
Qual é a dessas pessoas que pelo simples fato de ouvirem o imperativo: Sorria! já estão com os dentes à mostra como se estivessem frente a um grande e suculento bolo de chocolate coberto com morangos frescos?
Para a boa convivência, o máximo que podem ser capaz de tirar de mim é a boa e velha cara de paisagem, que me acompanha por todo o percurso existencial, totalmente pertinente até o presente momento,  apaziguadora dos males provocados pelas diferenças incontornáveis entre os quais a convivência se faz imprescindível.
Agora sorrir não, sorrir não é possível, e forjar o sorriso é comprovadamente ineficaz. Se eu não quiser, se eu não estiver com vontade, e não for motivada pelos meus próprios anseios ou pelos estímulos alheios, eu não vou sorrir! e pronto! sem abertura para negociações!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Antes que a cor obstrua o discernimento dos sentidos.....




Romaine Brooks - Una, Lady Troubridge, 1924.

Do processo de metamorfose...

Daquilo tudo que outrora era medo paralisante...
Hoje não ultrapassa o mero trabalho mental decorrente do tédio e do ócio, insignificante
E das importâncias consideradas
E certezas que supunha resistentes,
 não fora nada além de folhas ressequidas
Apenas resquícios imperceptíveis de pensamentos irretornáveis

terça-feira, 23 de novembro de 2010

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

De quando me [re]conheço...

            Imagino que o menos importante seja o momento em que isso aconteceu. Afinal, meu ceticismo não me permite levar muito a sério qualquer teoria que possa vir a se apresentar como possibilidade redentora, e isso inclui as psicologizantes que supõem que a elucidação da origem das situações possam ser o principio de sua resolução. O fato é que, muito provavelmente houve um momento em que decidi, ou que as circunstâncias me forçaram a tal, mas, independentemente, tornei-me uma exímia Expectadora da Existência, com teores requintados de profissionalismo na arte.
             E isso se evidencia com ainda mais ênfase nessas épocas do ano, em que, por uma infeliz ironia do velho sarcástico que costumamos chamar de Acaso, o contexto geral em que se está culturalmente inserido, faz com que as portas das redomas se abram, e a socialização se exacerbe desmedida, desproposital e incontrolavelmente. E eu, em meio a todo esse excesso de luz e esse excesso de nada a dizer sendo demasiadamente dito, reafirmo a minha convicção do quão acolhedor é o aconchego dos meus aposentos localizado nos bastidores, de onde se pode apenas observar, e vez ou outra vomitar uma poesia melancólica, ou alimentar uma possibilidade de amor a não ser correspondida.

Do generalizado cansaço....

Há dias em que de nada vale tentar salvar-se pela beleza
em que nem a doçura acalma a alma epilética
Há dias em que nada abranda,
que os subterfúgios habituais já não proporcionam acalanto
Em que as pernas tremem compulsivamente sem motivo aparente
Há dias em que as mãos não descançam em busca de ocupar-se para esquecer-se
E o coração saltaria pela boca se não ficasse preso entre os dentes
 Os sentidos ousam, por alguns segundos, deixar suas funcionalidades...
O corpo dando sinais de que a qualquer momento será paralisado por absoluto
E a mente, na incansável contraditoriedade,
 Nem ao menos apresenta indícios da possibilidade de piedosamente diminuir sua velocidade

Lawrence Alma-Tadema (1836-1912) - A Favorite Custom,1909

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Felix Vallotton - La Blanche et la Noire, 1913

Josep María Mallol Suazo - 1952

Do tardio entendimento....

Eu era um abismo imperscrutável
de dimensões imensuráveis
 havia momentos em que me via
 sufocar pela falta de ar,
e adoecer pela ausência de luz
Perdia por absoluto o vínculo com a realidade
e tornava-se apenas um imaginário incontrolável
chegando a acreditar-se como não mais pertencente à espécie
Incompreensível e inomivável pelo outro
e pelo eu inalcançável
Imersa no mais profundo abismo de si,
por si,
 e para si.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Da hora de partida...

Não, não me peçam para fazer as malas,
as mãos estão a amparar o peso intolerável das lembranças

Encontro-me em definitiva partida
e deixo também aqui o invúlucro que me protegia

Aqui já não mais estou...

Não enviem os pertences que deixei
As fantasias penduradas no armário
que julgaram haverem sido esquecidas
foram abandonadas, não sobrevivo de antiquários

Aqui já não mais estou...
E já não deixo rastros
pois, já não há aquilo que fui...

e nada
absolutamente nada
 posso saber do descontínuo que serei

Do tornar a [D]existência [IN]tragável....

A doçura leve das palavras...
invadindo a aspereza das minhas angústias reincidentes,

As mentiras que incentivo ...
em prol do obscurecimento da realidade enfadonha

Meus castelos de areia ...
sobre os quais diariamente me debruço na construção incansável 

De concreto: apenas a existência
De [in]correto: apenas a persistência

De humano: TUDO!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Do [des] entender o caos incansável...

Mas é que além da minha não habilidade de apreciar mansamente as transições
não me proveram dos mecânismos amortecedores do impacto da mudança
nem ao menos me amaldioçoaram com a peste paralisante da inércia e da constância

Eis que a todo tempo me movo por onde as pernas alcançam
e nada do que vejo ou sinto chegam a mim como um porto

As idéias e palavras desconexas,
as ações comedidamente impulsivas,
e a noção do paradoxo persistente

Destoantes dançam 
no infindo espetáculo imaginário
dos polos extremos de contentamentos oscilantes
da tragédia da minha existência...

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Demasiada Loucura é o mais divino Juízo -
Para um Olhar criterioso -
Demasiado Juízo - a mais severa Loucura -
É a Maioria que
Nisto, como em Tudo, prevalece -
Consente - e és são -
Objecta - és perigoso de imediato -
E acorrentado -


Emily Dickinson, in “Poemas e Cartas”
Tradução de Nuno Júdice
Houve um poema,
entre a alma e o universo.
Não há mais.
Bebeu-o a noite, com seus lábios silenciosos.
Com seus olhos estrelados de muitos sonhos.

Houve um poema:
Parecia perfeito.
Cada palavra em seu lugar,
como as pétalas nas flores
e as tintas no arco-íris.
No centro, mensagem doce
E intransmitida jamais.

Houve um poema:
e era em mim que surgia, vagaroso.
Já não me lembro, e ainda me lembro.
As névoas da madrugada envolvem sua memória.
É uma tênue cinza.
O coral do horizonte é um rastro de sua cor.
Derradeiro passo.

Houve um poema.
Há esta saudade.
Esta lágrima e este orvalho - simultâneos -
que caem dos olhos e do céu.

Cecília Meireles

Jack Vettriano - Valentine Rose

Michael Parkes


Tudo varrido para longe dos pés
Isto - é a imensidão -



Emily Dickinson
Poemas e Cartas (Trad. Nuno Júdice)
as mãos medindo a palmo
o desejo, esse engano

fundo e breve
que alarga a noite.

Renata Correia Botelho

Leon Francois Comerre (1850 - 1916) - The Ballerina Rosita Mauri

Delphin Enjolrasborn (1857 -1945)



Digo-te por isso
que não me obrigues a luz.
Que escrever não é fácil,
que viver não é fácil
quando começamos a frase a meio.
Que lavo a cara ao chegar tão tarde
e mesmo assim o dia não se despega,
e mesmo assim
tu não estás, ninguém está.
Que não tenho espaço na minha secretária,
na minha vida, na minha cama
para tanto espaço.
Que já me disseram urbana,
e nem por isso me disseram decadente,
e que eu gostei.
Que já me disseram
muitas vezes
disfarçadamente triste,
e que por isso, por ser triste, por
sermos todos tristes, não mo deviam dizer.
Digo-te por isso
que não era minha intenção dizer-te mais uns versos
tristes e sem luz, e por isso, só por isso,
não era minha intenção dizer-te nada


Filipa Leal

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Charles Edouard Edmond Delort - A Voluptuous Smoke


Coloca uma palavra
no vale da minha nudez
e planta florestas de ambos os lados,
para que a minha boca
fique toda à sombra.




Ingeborg Bachmann

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Harry Wilson Watrous (1857 – 1940)



A casa desabitada que nós somos
pede que a venham habitar,
que lhe abram as portas e as janelas
e deixem passear o vento pelos corredores.
Que lhe limpem
os vidros da alma
e ponham a flutuar as cortinas do sangue
– até que uma aurora simples nos visite
com o seu corpo de sol desgrenhado e quente.
Até
que uma flor de incêndio rompa
o solo das lágrimas carbonizadas e férteis.
Até que as palavras de pedra que arrancamos da língua
sejam aproveitadas para apedrejarmos a morte.





                                                                                                                                 Albano Martins


preciso de ter sempre água por perto, diz a mulher, preciso de água para diluir o coração




Dulce Maria Cardoso

segunda-feira, 1 de novembro de 2010