terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Por alguns segundos ela chegou a pensar que aquilo fosse excesso sensibilidade e escassez de compreensão, julgou-se injusta, pensou nunca poder se perdoar, de fato ela realmente havia sido dura demais com as palavras, mas foi a única saída que ela encontrou para tapear o seu ego, afinal, ele estava a deixando, ela se sentia no direito de vencer ao menos esse ultimo jogo de palavras, apesar de saber que diferente das outras circunstancias, o vencedor não poderia olhar para seu oponente com um olhar cheio de afeto e apertá-lo em seus braços, agora era definitivo, teriam que traçar caminhos opostos, mesmo sabendo que poderiam usar o mesmo percurso para sempre, compartilhavam das mesmas preferências em tudo, era justamente essa afinidade absurda que havia os unido. Mas ele decidiu partir. Ela compreendia o fim, sempre soube que os sentimentos eram findos, efêmeros, transitório, nunca esperou que ele lhe fizesse juras eternas, e nunca cometeu a atrocidade de fazer o mesmo, julgava-se racional demais, tanto que cometeu o erro de aplicar isso aos seus sentimentos a ponto de tornar-se fria, pensava que isso daria aos seus relacionamentos alicerces seguros, tudo parecia estável e dentro dos seus planos, fazia do amor um negocio, regras, investimentos, lucros, juros, tudo era pré-estabelecido com antecedência, o caminho até seu coração era mapeado, placas explicativas poupava todo o trabalho daqueles que ela permitia transcorrer por ele. Mas ainda assim, algo havia fugido do seu controle, ele avisara que partiria essa noite, mas como ela mesma disse aos gritos diversas vezes, o problema não era ele estar indo embora, nem ao menos o vazio que ela teria que enfrentar, ou o martírio que o medo da solidão lhe traria, ela só queria um motivo. As últimas palavras daquele homem que ela tanto amava foram responsáveis por uma angustia que ela levaria mais do que alguns dias, alguns livros, alguns filmes e vinhos para esquecer. O ópio habitual não seria suficiente. Ela esperava que os finais seguissem sempre o mesmo roteiro : duas ou três frases frias ou sarcásticas, reclamações explicativas em forma de pretexto, e o adeus. Mas ele não permitiu que ela ditasse as regras até o fim, segurou-a contra a parede, calou-a com seu ultimo beijo, deslizou seus dedos pelos cabelos dela delicadamente pela ultima vez, passou suas mãos pelo rosto dela, que nesse momento já estava umedecido por duas ou três lágrimas, e por alguns instantes se reportou ao primeiro encontro que tiveram, e notou que a pele ainda possuía a mesma suavidade, observou-a ... notou que estava mais bela do que nunca. Ela só lhe pediu um motivo, não que esperasse que ele não fosse, esse era um dos tantos motivos que fazia ela o amar tanto, ele não tomava decisões irrefletidas. E sem nenhuma crueldade ou ironias, ele listou as qualidades dela de forma impecável, suas palavras exprimiam a mesma doçura de sempre, dizia não haver motivos, simplesmente sentiu que aquele era o momento de partir. Por que ele estava partindo? Era tudo o que se podia escutar entre o choro e os soluços ... Ele havia profanado o ritual de partida.

2 comentários:

Maria Luísa Macedo disse...

Oi (:
bem, não é uma música. Fui eu quem escrevi.

Eros disse...

Magistral.
Um motivo pode acabar se tornando um véu, atrás do qual deixamos muito bem escondido o sentimento que esquecemos de viver, por temor.