Algumas constatações deveriam ser bloqueadas automaticamente pelo cérebro, em prol da nossa saúde mental. Mas invariavelmente não são. Ao contrário daquilo que necessitaríamos, é justamente nos momentos mais inoportunos do percurso existencial, onde seria necessário sublimar, abstrair, que tais elementos propulsores das válvulas conclusivas, que passam boa parte da nossa estadia como viventes desativado, surgem energicamente.
Eis que me encontro em um fim de ciclo, tentando assimilar tudo o que for possível dentre os elementos que se fizeram substanciais na fase que encontra-se sendo superada, ou então, buscando um viés de observação otimista, fase que encontra-se sendo substituida pelo iniciar inevitável de um novo ciclo. Dessa forma, os olhares se voltam nostalgica analítica e saudosamente para tudo aquilo que foi ficando pelo caminho.
Depois de um longo processo de construção de relações, vínculos, desafetos, eis que definitivamente encontro-me partindo. Diferente das outras vezes, e sem nenhum teor de drama ou lamentação, dessa vez para não mais voltar.
Ok, até então, saudável e passível de assimilação!
A questão descabelatória fez-se da seguinte maneira. Supondo que você passe um período de tempo notável dividindo o mesmo ambiente com um determinado grupo de pessoas, que você imagina ser conhecedor ao menos dos aspectos elementares do seu ser. Imagina-se como um exímio suicida super sincero das relações sociais, sem titubear ao expor os comentários e opiniões que são solicitados, sem medir o grau de antipátia dos mesmos. E justamente quando você está de saída, passando possivelmente última vez pela porta em que corriqueiramente cruzava 'n' vezes ao dia, recebe um presente revelador que o leva do céu ao inferno num tempo incalculável de tão breve: Um livro dos Augusto Cury.
Sim, esse mesmo, justamente esse que cultivo o hobbie agradabilíssimo de criticar.
A princípio, ao ver que o presente tratava-se de um livro, a primeira idéia que surgiu foi: "Bahhh, todo esse tempo foi o bastante para esses caras me sacarem com precisão, afinal, o último ser a partir foi agraciado com um objeto proveniente dos desejos fúteis que nos toma!", e que sorriso largo botei no rosto! Mas, por mero padrão de comportamento, as coisas desandaram quando meus olhos identificaram a 'preciosidade' com que estava sendo agraciada.
Sim, um livro do Augusto Cury. E se isso não fosse o bastante (como nunca é), não se tratava simplesmente de tal. O conteúdo do livro, exatamente, o conteúdo do livro completou por absoluto a fatalidade: "Mulheres inteligentes, relações saudáveis", e como golpe final e fatal, o título da receita do bolo, quer dizer, do livro, vem com o complemento: "O livro que toda mulheres deveria ler antes de se relacionar".
Como condicionamento proveniente da minha elegância e gentileza, o sorriso continuou, mas a testa franziu em nome da minha sinceridade incurável.
E as perguntas se multiplicam ad infinitum desde então!
Afinal, transmiti uma imagem assim tão confusa a ponto que deixar brecha para que talvez tal leitura fosse capaz de me apetecer? Eu estava sendo sutilmente provocada? O responsável por comprar o livro seria um leigo absoluto em literatura? etc, etc...
Possivelmente morrerei na dúvida.
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