sábado, 16 de fevereiro de 2008

Lembro daqueles dias de caos quando demonstrávamos ao mundo toda a nossa incoerência, e que por ser a idade das máximas manifestações de tolices, nem nós notávamos o quanto tudo aquilo não fazia o mínimo sentido, e nem os outros conseguiam perceber a falta de lógica, mas por ser aquela fase também a que dava inicio as percepções mais apuradas, tanto nós como eles tinham a certeza de que algo ali estava errado. Nós respondíamos a isso perpetuando aquela atitude insana, e eles a respeitavam como se fosse um ritual sagrado.
Foi um ano de tentativas arriscadas, queríamos sustentar um mundo inteiro em um tripé onde cada perna possuía uma altura diferente, e só quem já teve o desprazer de tentar se equilibrar em uma cadeira de três pernas, sabe o quanto o trabalho é árduo. Mas as circunstancias nos levaram a forçar essa união, e quando demos por si já não estava mais em tempo de ativar o campo de retração, o vinculo havia sido formado.
O ritual aos poucos foi se tornando sagrado. De segunda a sexta, lá estávamos nós, o que dava marco ao inicio do ritual era o tocar do sinal que anunciava o termino da aula, e o fato do nosso lugar ser estrategicamente localizado ao lado da porta nos garantia que saíssemos primeiro. Tinha-se algo que compartilhávamos ,o pânico do corredor no inicio e no final da aula. Os meninos do ultimo ano, na tentativa de firmar sua imagem de suposta superioridade, alinhavam-se encostados na parede, uma fila de ogros de cada lado, e quando os nerd’s, cdf ‘s e afins por ali passavam, eram feitos de bolas humanas, sendo literalmente arremessados de um lado para outro, com as meninas era diferente, aquele era o momento de cortejo, no momento em que as moças por ali passavam a animalidade era até amenizada. Mas conosco a atitude era outra, o espaço era aberto de modo que pudéssemos passar sem ser interrompidas, os mais ousados faziam sinais de educação com os olhos, mas mantendo sempre atitude de reverencia e respeito, fatos estes que indago o motivo até nos dias de hoje, mas estou quase certa de que era porque nossos atributos físicos não contribuíam.
Como havia dito, sempre éramos as primeiras a sair no termino das aulas, e eis que tinha inicio o ritual. Eu, a passos largos ia ao encontro de minha bicicleta, a moça dos cabelos roxos sempre tinha algum caso pendente com algum bípede do sexo oposto para resolver, a outra, a mais imponente entre nós, era quem garantia que o ambiente do nosso ritual fosse mantido desocupado. E em questão de minutos lá estávamos nós, a posição era sempre a mesma, eu e a moça imponente de um lado e a moça dos cabelos roxos do outro, e nossas pernas no meio do caminho impedindo a passagem de todos – ou quase todos -, aquela esquina havia se tornado o comitê dos nossos encontros e debates. Primeiro esperávamos todos saírem, havia certa glória em ver aquelas pessoas pelas quais nutríamos uma antipatia desmedida terem que desviar seus caminhos pela rua, e chegávamos a cogitar possibilidades de nos aproximarmos dos que ousavam pular nossas pernas, de fato nunca nos aproximamos – com exceção do caso Lasek Junior - , mas apesar de mantermos distancia, os ousados ganhavam nosso respeito, alguns até conseguiram fazer com que tirássemos as pernas no caminho para que pudessem passar, mas foram raros. O ultimo a passar era sempre o admirável professor de química, eu e a moça imponente o víamos como modelo de homem ideal - apesar da química -, a moça dos cabelos roxos naquela época já se livrava dos últimos parâmetros de seletividade que lhe restava, e nesse caso, o via como ideal pelo simples fato de ser homem.
Quando percebíamos que nada mais iria interromper iniciávamos a conversa, cada assunto era discutido em seus pormenores, nunca saímos de lá sem antes tomar inúmeras decisões, que a cada dia se alteravam substancialmente, íamos de suicídio a casamento - que dá quase na mesma – de futilidades a situação monetária do país, discussões filosóficas quase sempre fomentadas por aquela professora principiante que só eu e a moça imponente ouvíamos, nos torturávamos a cada dia que passava com a tão difícil escolha do curso para o vestibular, e tantas outras irrelevâncias.
Como era de se esperar, o desequilíbrio só poderia resultar em queda. Fizemos tudo diferente do planejado, cada uma com seu erro peculiar sustentou seus absurdos, e como é de se esperar de toda construção com maus alicerces , a ruína foi inevitável.

2 comentários:

Eros disse...

Em dia de prova, eu tinha de ser rápido. Além da minha, era digamos "convidado" a fazer pelo menos mais duas. Era isso ou terminaria como o chininha, que apanhava todos os dias.

Colecionadora de Memórias disse...

Bons tempos... Quando o coração ainda batia completamente esperançoso.