sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

[Ver-se sendo transposto
Rir-se de se ter em letras
Aquilo que foge da carne
Ser não cabe em métricas]
[Em minha falta de inspiração
está a saudade que sinto
de estar em contato
com sua respiração]

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Esperanças de um vão contentamento - Marquesa de Alorna

Esperanças de um vão contentamento,

por meu mal tantos anos conservadas,
é tempo de perder-vos, já que ousadas
abusastes de um longo sofrimento.

Fugi; cá ficará meu pensamento

meditando nas horas malogradas,
e das tristes, presentes e passadas,
farei para as futuras argumento.

Já não me iludirá um doce engano,

que trocarei ligeiras fantasias
em pesadas razões do desengano.

E tu, sacra Virtude, que anuncias,

a quem te logra, o gosto soberano,
vem dominar o resto dos meus dias.

George Dunlop Leslie (1835-1921)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Ao meu, e ao meu eu, ausentes...

            Em mãos estava presente um dos exemplares preciosos do velho Buk, o que possivelmente mais lhe apeteceria, assim como aconteceu comigo, cuja posse provocou um gozo imenso, um elemento profundo na satisfação do meu ego. Os ouvidos ensurdeciam-se com os gritos de Janis, gritos que certamente eu também daria, não fosse a mansidão da noite, e a necessidade de que estes ficassem de alimento apenas aos ouvidos:
     
"Maybe, maybe, maybe, maybe, maybe, dear,
I guess I might have done something wrong,
Honey, I'd be glad to admit it
Ooh, come on home to me!
Honey, maybe, maybe, maybe, maybe... yeah"
             A noite havia caído lentamente, e assim como o prórpio clichê do cair da noite, outros infindáveis clichês também se faziam pertinentes a serem ressaltados. E como acontece costumeiramente nos finais de ano, e em todos os dias antecedem as supostas datas dignas de nota e contemplação, eleitas para nos sentirmos especiais e tratarmos o outro como tal, exercendo legitimamente nossa hipocrisia em seu nível mais elevado, pairava no ar toda uma aura de amabilidade injustificada composta de palavras gentis, cortezia sem fundamentos, e afabilidade despropositada.
            Fazia um frio aconchegante, depois de cumprido o ritual de superação de mais um dia desesperadamente quente, após um inverno rigoroso que se estendeu além da minha compreensão por toda a primavera, aqui estava eu usufruindo de uma noite fresca em um autêntico dia de verão.
             Chovia, e aquilo tudo não poderia parecer melhor em sua superficialidade.
             O caos encontrava-se perfeitamente camuflado por entre aqueles elementos fajutos de paz e ordem, por pouco não se chegaria acreditar que a vida ainda tinha jeito, que a humanidade estava salva, e que desse momento em diante  tudo passaria a fazer algum sentido, ou então, em uma hipótese ainda mais tentadora, a palavra sentido em sua conotação existencial perderia toda a sua razão de ser.
              Como era de se esperar de um pequeno encontro em família, no transcorrer desse dia que se finda, haviamos executado com maestria uma verdadeira análise conjunta de tudo aquilo que haviamos feito, desfeito e refeito, e mais ainda, de tudo aquilo que todos aqueles que estavam ao nosso redor unidos pelos laços consanguíneos, outros unidos por esse, mas separados pelas peripécias do acaso da vida haviam feito daquilo que as interpéries haviam lhes proporcionado.
             Erros, acertos, pequenas tragédias pessoais, e grandes adequações às mais diversas e inimagináveis circunstâncias que levou cada um desses personagens a formação do seu EU. Cada um parecia estar indiscutivelmente onde lhe cabia, evidentemente com lamentáveis variações no que tange a satisfação pessoal, ou então quando visto pelo viés da sorte, mas visto pela ótica das circuntâncias, cada um estava vestindo o número adequado às suas formas.
            Mas com a dificuldade que se compreende a matemática do universo e sem a mesma objetividade, tentava eu descobrir, com simples material especulativo que baseava-se apenas em informações aleatórias, relatos e reles observações, em que momento cada um havia se tornado aquilo que era, ou se sempre haviam sido um protótipo daquilo que haveriam de ser.
             A vida alheia parecia ser a prova cabal da falta de brilhantismo da existência  humana, uma série qualquer de especificidades desinteressantes desvelava um ser supostamente completo provido de id, ego e super ego. Parecia que todo ser estava determinado por um fato que seria capaz de definir o que seria pelo resto de sua vida.
             Um relacionamento frustrado, uma profissão não escolhida , uma tentativa fracassada, um tiro escuro que não atingira nada além dos próprios pés, uma bela cusparada para cima aterrizada com requintes de precisão na própria testa, um discurso proferido erroneamente, ou mal interpretado, e outra diversidade infinda de acasos, definidos em momentos infímos que faria com que cada um se tornasse aquilo que irremediavelmente É.
               E em todo esse contexto, nessa perplexidade desprovida de qualquer peso, nesse desenrolar de palavras que ainda não sabe se fará uma epifânia, ou não passará de um amontoado de palavras sem nexo, eu buscava respostas sensatas para adormecer indagações eternas, nos entremeios de tudo aquilo que aparentemente seria alheio, mas que despertavam perguntas que até então estavam amordaçadas ou em estado de pré-prepado para vir a tona no momento propício.
              Afinal, alguma das minhas escolhas já haviam sido tão definitivas a ponto de ter me proporcionado alguma caracteristíca irremediável daquilo que sou?
             Estaria eu entre os seres suficientemente firmados em si para revolucionar tais escolhas e tornar-se outro?
Assustam as coisas que adentram o âmbito do irremediável, e apavoram os elementos que compõem o irrevesível.
            Aquilo que para maioria apresenta os trejeitos de segurança na verdade não passa de um elevado grau de inércia associado a uma grande dose de covardia.

             E o livro do Buk continua em minhas mãos amparando as folhas em que escrevo, mas não irei abri-lo, eu só precisava que ele estivesse aqui para poder lhe materializar como meu interlocutor, já que não mais atende os meus chamados.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

"Com a mesma falta de vergonha na cara
eu procurava alento no seu último vestígio,
no território, da sua presença
Impregnando tudo tudo que
Eu não posso, nem quero, deixar que me abandone
 (...)
São novamente quatro horas, eu ouço lixo no futuro
No presente que tritura, as sirênes que se atrasam
Pra salvar atropelados que morreram, que fugiam 
Que nasciam, que perderam,  que viveram tão depressa,
Tão depressa, tão depressadepressa demais
A vida é doce, depressa demais.
(...)
E de repente o telefone toca e é você
Do outro lado me ligando, devolvendo minha insônia
Minhas bobagens, pra me lembrar que eu fui
 a coisa mais brega que pousou na tua sopa. 
Me perdoa daquela expressãopré-fabricada de tédio,
 tão canastrona  
que nunca funcionou nem funciona"
(...)